Kummerspeck: gordo de tristeza
Obesidade
não é um problema novo, temos relatos sobre essa enfermidade desde a
antiguidade, porém na concepção de doença e, na proporção de epidemia conforme
constatado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), agora considerada um mal
contemporâneo. Como epidemia do século XXI, atinge tanto países de primeiro
mundo, como países em desenvolvimento. Estudos mostram que a obesidade já é
problema mais freqüente e mais grave que a desnutrição, sendo considerada como
um dos principais sintomas de neurose no mundo ocidental (Woodman, 1980). É também, um importante
fator de risco para patologias graves, como a diabetes, doenças
cardiovasculares, hipertensão, distúrbios reprodutivos em mulheres, alguns
tipos de câncer e problemas respiratórios. A obesidade pode ser causa de
sofrimento, depressão e comportamentos de esquiva social, prejudicando em
muitos aspectos a qualidade de vida das pessoas.
A
obesidade é de etiologia múltipla, genética, emocional e comportamental com
influências culturais, sociais, econômicos e de fatores demográficos.
No que
diz respeito ao aspecto psicológico e ao desenvolvimento humano podemos
considerar a importância da alimentação na vida da pessoa, já presente nas
primeiras relações entre mãe e bebê quando, inegavelmente, a alimentação está
ligada à condição de sobrevivência humana.
Segundo
Freud, quando alimentado, ainda no seio materno, o bebê busca alivio para sua
sensação desprazeirosa reconhecida como fome, momento em que deve receber o
aconchego materno, o toque, reconhecer o som dos batimentos cardíacos da mãe e
principalmente seu olhar materno, fator indispensável para o início da
constituição psíquica de ser. Quando no ventre materno, o ser humano está na
plenitude, já que, totalmente protegido, ele é suprido de todas suas
necessidades, daí se dizer que quando se nasce, se cai do paraíso e a partir
daí o ser vai viver a vida toda em busca da plenitude perdida. Há uma espécie
de vazio, de falta que nunca poderá ser preenchida a não ser que se pudesse
voltar ao útero materno. No entanto, o homem busca incessantemente, por
diversas formas, reaver, ainda que de forma ilusória, essa plenitude (o prazer
de ter todas as suas necessidades e desejos completamente satisfeitos). Ledo
engano. Há quem busque a plenitude nas drogas, no sexo, o obeso busca na
comida, etc.
A fome do obeso é pulsional, é infantil, é voraz. Utiliza-se da comida
como se o ato de alimentar-se o reconduzisse a um estado de nirvana.
O
processo alimentar é o eixo da vida emocional no início da primeira infância, é
o centro do universo da criança. Quanto mais amadurecido o ser, maior a
condição de distinção entre necessidade e desejo. Esse desejo é uma espécie de
constatação amorosa em nós da nossa incompletude, da certeza de não sermos
plenos, completos, de que nos faltam coisas. Esta fantasia que funciona em nós
como uma espécie de representação do que devemos alcançar para que possamos
finalmente chegar a esta suposta plenitude
Na vida
adulta a alimentação continua um elemento obrigatório no cotidiano e em excesso
legitimado, sobretudo, em rituais festivos: Natal, casamentos, comemorações,
etc. Aqui já não há apenas a presença da necessidade do alimento em si, mas o
desejo ou satisfação em se comer algo especial como, o peru, aquela
macarronada, aquele churrasco, aquele pudim de leite condensado. O comer toma
outras funções, não só de aplacar ou saciar a fome, mas satisfazer carências,
necessidades internas relacionadas a frustrações, insatisfações, estresse
emocional, etc. É justamente essa incapacidade que o obeso tem de simbolizar
sua relação com o alimento que o leva a exagerar no consumo.
Após as
duas grandes Guerras Mundiais se observou que mulheres que passaram um período
longo de carências, inseguranças e incerteza ou vivenciaram a perda
de entes queridos, apresentavam a tendência em aumentar de peso, não
explicada somente pelas questões calóricas. Nesta época, tornou-se comum o uso
do termo Kummerspeck, (palavra de origem Germânica) que quer dizer
“gordo de tristeza”.
Na
verdade o luto, no sentido de qualquer perda material e/ou afetiva (morte,
perda de emprego, perda financeira, divorcio, perda de estabilidade, de status,
etc.), muitas vezes, torna-se disparadores do descontrole da fome. Os obesos
dizem ter a impressão de estarem compensando alguma necessidade. Quando nos aprofundamos
nas causas das compulsões percebemos que estão muito mais ligados a sentimentos
de culpa, reprovação, e auto-recriminação.
A
compulsão alimentar pode, ainda, atuar como mecanismo de defesa, ou como se
essa fosse a única forma de resolução de problemas.
Daí a
importância de se entender a relação que o obeso estabelece com a comida, seus
recursos para lidar com limites internos e externos, sua capacidade de tolerar
frustrações, entre outros.
Profa Dra Edna Paciência
Vietta
Psicóloga Clínica